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Crise faz cair doações e atinge público assistido pelas ONGs

Relatório aponta redução de 18% no volume de recursos repassados por empresas entre 2012 e 2014.

Às 17h, o sol já dá sinais de fim de dia, e o jantar começa a ser servido na Casa do Caminho, que atende cerca de 90 pessoas com paralisia cerebral, a maioria crianças e adolescentes, no bairro Floramar, na região Norte de Belo Horizonte. Carlinhos, 31, já é crescido, mas aos olhos da instituição que o acolheu, será sempre um menino. A cuidadora até tenta servir a sopa de angu, mas o que ele quer mesmo é abraço. Ela retribui com vontade, e Carlinhos pede mais. Em poucos minutos, logo se vê que carinho é o que mais se demanda, mas também o que mais se recebe ali. Só que, além desse “alimento”, os assistidos dependem de apoio financeiro para sobreviver.

O recurso, entretanto, tem ficado cada vez mais escasso nas Organizações Não Governamentais (ONGs). Para elas, as despesas com comida e materiais subiram ao mesmo tempo em que todas as fontes de renda – governos, empresas e cidadão comum – doaram menos ou simplesmente cortaram repasses. Infelizmente, uma das primeiras reações à crise econômica no Brasil é tirar recursos do social.

Um dos poucos estudos que medem esse impacto é o “Benchmarking do Investimento Social Corporativo” (Bisc), feito pela Comunitas – organização que estimula a participação da iniciativa privada no desenvolvimento social. O último relatório divulgado mostra uma queda de 18% no volume de recursos doados por empresas e institutos de 2012 para 2014 – foram R$ 2,8 bilhões contra R$ 2,3 bilhões, respectivamente. Em 2013, o valor foi ainda menor: R$ 2,1 bilhões.

Embora não se tenha números fechados, a percepção é de queda ainda maior em 2015 e 2016. “Depende da consciência de cada uma. Tem empresa que não cortou ou buscou adaptar as parcerias. Outras não tiveram escolha: ou cortavam no social ou demitiam funcionários”, relatou a gerente de responsabilidade social da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Luciene Araújo.

Os primeiros sinais de instabilidade começaram com a crise mundial, em 2008, quando organizações internacionais suspenderam convênios com o Brasil. Em 2011, o governo federal publicou decreto que interrompeu por 30 dias o repasse de recursos da União para entidades não governamentais sob a justificativa de avaliar a regularidade das ações. O processo foi chamado de “criminalização” das ONGs, que, somado ao ajuste fiscal e à retração da economia, desencadeou uma série de cortes nos âmbitos federal e estadual.

Assistência
Ajuda diminui, e investimento trava.

A crise financeira que atinge as ONGs também bateu à porta do Núcleo Assistencial Caminho para Jesus – que abriga a Casa do Caminho, voltada para pessoas com paralisia cerebral, o asilo Casa da Esperança e uma escola para crianças e adolescentes com deficiência mental. Com 90% da receita composta por doações de pessoa física, a queda nos recursos foi de 20% neste ano, levando em conta o aumento nos gastos.

O impacto, porém, ainda não fez mudar o sentimento de Antônia Rosa Diniz, 69, a dona Rosinha, que enche os olhos azuis de lágrimas ao falar do lugar. “Eu gosto tanto daqui que, quando vou para a casa da minha sobrinha, uma vez por mês, não me sinto em casa”, disse ela, que convive com 60 idosos.

“Não deixamos faltar nada de essencial. Mas não conseguimos melhorar a estrutura nem ampliar o atendimento”, contou o gerente financeiro Antônio Veloso.

Postado originalmente no jornal O Tempo.

 


 

 

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